O Guri de Uruguaiana

por Marcelo Spalding

Que humor combina com teatro, todo mundo já sabe, mas tem chamado a atenção a quantidade de humoristas capazes de levar multidões aos teatros no Rio Grande do Sul. Os exemplos de André Damasceno e dos Homens de Perto já são conhecidos, mas nem só os globais atraem público, e que o diga Jair Kobe, o Guri de Uruguaiana.

Sua temporada recém terminada na AMRIGS teve casa cheia, fila de espera, sessões extras, repetindo o sucesso de outras vezes e comprovando a predilação dos gaúchos pelas comédias.

A peça é uma mescla de musical com programa de auditório e stand-up comedy, em que o humor de algumas piadas prontas se alterna com quadros como a aula de chula, muita interatividade com o público e as famosas - e impagáveis - versões do Canto Alegretense.

Para o que se propõe, o espetáculo funciona muito bem, arrancando risadas soltas do público o tempo todo. Mesmo as piadas mais conhecidas ganham novo tom no sotaque e no figurino de Kobe, que conseguiu criar um personagem cômico sem ser um simples alter-ego.

O Guri, mais do que uma fantasia, é a reconstrução da tipologia do gaúcho, é a mescla de um discurso tradicionalista e outro moderno, tecnológico, é a valorização da diversidade dentro de um contexto cultural muito específico (funciona muito bem, nesse sentido, a ideia do gaúcho emo Licurgo, que aliás poderia ser melhor explorado ao longo da peça). Sem cair na ridicularização da figura do gaúcho nem na igualmente ridícula ideia de superioridade, o Guri explora temas universais como as relações familiares, os conflitos entre as gerações e os discutíveis gostos da indústria cultural. Mas sempre com humor e sem esquecer do seu papel ali: fazer rir.

Engana-se, porém, quem pensa que uma peça como essa requer apenas um personagem, um microfone e violão. A produção do Guri de Uruguaiana é impressionante, com cenários, objetos preparados para serem usados apenas uma ou duas vezes, coadjuvantes a postos para subir ao palco em uma ou outra cena e sempre um artista convidado que participa de uma espécie de talk-show com o Guri (aliás, na noite em que assisti fui surpreendido pela voz e pelo talento de Daniel Torres, que conhecia só de nome; sua interpretação de "Solo le pido a Dios" foi de emocionar).

Nesse sentido, a versão de Thriller recém criada para O Guri de Uruguaiana é um exemplo do enorme trabalho de produção, pois envolve mais de uma dezena de coadjuvantes, jogo de luz, gelo seco e fantasias impecáveis. Pena que seja executada fora de contexto na peça, como uma espécie de bis, e em playback.

Para terminar, fique com um vídeo postado no YouTube pelo próprio humorista, que, aliás, sabe como poucos explorar a rede mundial de computadores e se aproveitar (ou ironizar) a predileção dos internautas por bobagens.

 

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