Um papo histórico com Affonso Romano de Sant'Ana e Marina Colasanti

por Marcelo Spalding

Inesquecível. Assim pode ser definido o 1º Papo de Escritor, promovido pela AGES e o portal Artistas Gaúchos na Feira do Livro de Porto Alegre com os escritores Affonso Romano de Sant'Ana e Marina Colasanti.


foto de Isabel Bonorino

Esbanjando entusiasmo, simpatia e cultura, Affonso e Marina revelaram um pouco dos bastidores da criação literária e falaram sobre o começo da carreira, a passagem do jornalismo para a literatura, os anos difíceis da Ditadura, a gênese de alguns de seus livros e comentaram sobre novos projetos.

Descobriu-se, por exemplo, que Marina desde os 10 anos escrevia poemas, embora só muito mais tarde, já jornalista, tenha pensado em se lançar como escritora. "Ali estava o talento nato da futura escritora", revelou o marido, orgulhoso. Não foi fácil. "Meu primeiro livro ficou cinco anos na gaveta à procura de um editor, e isso que eu já trabalhava na imprensa", revelou Marina, "por isso eu sempre digo aos novos escritores que tenham persistência".

Ainda sobre a formação do escritor, rendeu muito assunto as oficinas de criação literária. Affonso lembrou que as instituições universitárias norte-americanas têm uma longa tradição de cursos de escrita criativa, inclusive com bolsas para que escritores do mundo todo passem algumas semanas imersos num programa de criação. Marina reforçou tal ideia lembrando que só na literatura se acha que o artista nasce pronto, pois um pianista desde criança faz aulas de piano, uma dançarina desde cedo tem aulas de ballet, um pintor na Renascença já aos 6 anos de idade frequentava o atelier dos mestres, e do escritor se espera uma genialidade pura, independente de estudo ou preparo. "Talento é algo nato", reforçou Affonso, "mas talento não basta. Tive muitos amigos da minha geração com muito talento, muito mais talento que eu, que se perderam ao longo do tempo por um motivo ou outro".

Luiz Paulo Faccioli, presidente da AGES e também participante do Papo, lembrou seu começo de carreira, mais tardio, e confidenciou que a chama da literatura acendeu exatamente numa oficina de criação da Feira do Livro sobre leitura de contos, com sua esposa Cíntia Moscovich. "Comecei a escrever e em 40 dias tinha um livro pronto", contou LP, citando como seus grandes incentivadores e primeiros leitores a esposa, Cíntia, e Luiz Antônio de Assis Brasil.

Outro tema que suscitou debate foi a questão da literatura infanto-juvenil. Marina afirmou que há, sim, diferença entre escrever um livro para adultos ou para crianças (embora não faça concessão alguma de linguagem), mas considera a divisão das obras em faixas etárias uma questão puramente mercadológica, e acha que o professor é quem deveria ser o mediador da leitura e saber indicar a história certa para o nível de preparo da sua turma. "Essa classificação muitas vezes faz com que um livro que na capa traz a indicação para o 3º ou 4º ano seja rejeitado por alunos do 5º ou 6º ano, que o consideram 'infantil'", afirmou Marina.

Como um bom papo deve ser, o público, composto de mais 60 pessoas entre escritores, professores e uma turma de EJA de escola da Restinga, fez algumas perguntas ao casal, e numa delas um Professor da UFRR trouxe a questão política para o debate, perguntando sobre a memória da Ditadura ao Affonso e sobre o feminismo à Marina.

Affonso de imediato se confessou um "animal político", ainda que sem partido, pois acredita que um intelectual não deve ficar preso a partido algum. Citou seu livro "Que país é este?" para lembrar que de uma forma ou de outra toda a sua obra está impregnada de teor político, e acredita ser este um papel dos escritores, sim. Mas lembrou de nomes como Guimarães Rosa ou Clarice Lispector, que não escreveram diretamente sobre questões políticas e faziam textos de profunda reflexão social.

Sobre a questão de gênero, Marina lembrou sua participação no surgimento da Revista Nova no Brasil, revista que se tornou um símbolo do feminismo no país, e entusiasmou-se lembrando de um tempo em que as mulheres tiveram a chance de mudar muito do seu papel político e social. Lamentou, porém, que a questão do feminismo tenha perdido espaço e as mulheres contemporâneas tenham se deitado na cama armada àquela época sem se dar conta que ainda falta muito por fazer, especialmente entre as populações mais carentes. "Essa, afinal, também é uma questão política", arrematou Marina.

Para terminar com chave de ouro, Affonso contou uma história de como a leitura pode transformar a vida mesmo de doentes numa enfermaria, mesmo de analfabetos que lêem o texto na leitura do outro. E Marina se dispôs a contar um de seus belos contos de fadas, para deleite e emoção do público.

Inesquecível. Uma aula de literatura e história que haverá de se repetir.

 

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