O que a greve dos roteiristas tem a nos ensinar

por Marcelo Spalding

O assunto não é de todo novo, já se arrasta por três meses, mas o cancelamento do Globo de Ouro, até então ininterrupto desde 1944, devido a greve dos roteiristas é notícia suficiente para retomarmos o tema. E a importância do movimento é tamanha que mesmo um site que trata da produção artística gaúcha deve abordá-lo.

A greve iniciou em 5 de novembro e foi deflagrada pela Writers Guild of America (WGA), o sindicato dos roteiristas, exigindo uma participação maior nos lucros obtidos com a venda de DVDs e de programas para internet, celulares e outros novos meios tecnológicos. Seriados como "Lost", "24 Horas" e "Scrubs" (foto) e programas de auditório (?) como o de David Letterman já foram afetados, e agora o movimento conseguiu cancelar o Globo de Ouro e ameaça a realização do Oscar.

Mesmo acompanhando de longe e sem detalhes importantes sobre os motivos, as forças de cada lado e as negociações, é interessantíssimo notarmos dois aspectos desta greve: primeiro, é uma greve de trabalhadores do setor cultural, não uma greve de mecânicos que interrompeu a produção de carros ou de médicos que interrompeu o atendimento nos postos de saúde, é uma paralisação de artistas e mesmo assim tem causado prejuízos financeiros e transtornos incalculáveis, o que demonstra a real importância que o setor artístico atingiu no mundo contemporâneo, uma importância que transcende em muito o “entretenimento”. Sim, é a indústria cultural, como formularam os alemães da Escola de Frankfurt, mas agora também a lógica do capitalismo depende da cultura, e não apenas o contrário.

Outro aspecto notável e para mim surpreendente é a união dos roteiristas. Será que não apareceu nenhum jovem promissor se oferecendo para dar continuidade aos seriados, aos programas de auditório? Nenhum sindicalista aliado aos grandes estúdios para rachar a greve, fundar outro sindicato? Tal união é louvável, e é ela que tem muito a nos ensinar. No Brasil, os escritores, por exemplo, ganham míseros 10% do preço de capa de um livro, valor cinco vezes menor do que as megalivrarias abocanham, isso quando não precisam inclusive pagar a produção dos seus livros. Não deve ser muito diferente com músicos. Mas jamais se ouviu falar de um movimento organizado das Associações de Escritores ou da União de Escritores contra o mercado editorial, contra a avalanche de best-sellers internacionais circulando sem impostos pelas nossas vitrines, contra o preço abusivo da impressão de pequenas tiragens. E não há tais movimentos não por falta de indignação, inteligência ou organização, e sim pela falta de união dos artistas, que ainda não encaram a produção artística como uma atividade tão profissional quanto produzir carros ou medicar em postos de saúde.

Os motivos são muitos, inerentes a realidade social do país e até a nossa juventude criativa, mas quem sabe esta greve dos roteiristas, que ainda dará muito o que falar, sirva de lição, de modelo ou de incentivo. Para que pelo menos se valorize mais nosso trabalho.

 

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