A contística madura de Cleci Silveira

por Marcelo Spalding

Esta década, para Cleci Silveira, tem sido longa e produtiva. Em 2001, estreou na literatura com o volume de contos No sótão dormem bonecas, voltando ao gênero em 2004, com A trama do silênco.  Em 2005, sua Trama lhe rendeu o cobiçado mérito de finalista do Prêmio Jabuti de Literatura. Em 2006, lançou um volume de crônicas O tocador de saz e o sultão, em 2008 aventurou-se no romance com Além da Porta, e agora volta ao gênero que a consolidou, o conto, com Diário de Mulher Solteira (Editora Movimento, 2010, 102 p.).

A obra traz 14 contos, iniciando pelo que dá titulo ao livro e revela uma mulher madura e solitária às vésperas do Natal. Solidão e maturidade, aliás, são a tônica dos contos do livro todo, onde a vida é sempre olhada em retrospectiva por uma mulher pragmática, experiente e lúcida, capaz de comandar as ações, como em "Dejanira e suas brancas mãos", ou provocá-las, como em “A Casa da Rosa Solitária”.

"Dejanira e suas brancas mãos" retoma o tema da traição masculina, mas dessa vez a esposa traída é uma mulher que “administra a casa com mãos de ferro”, “educa os filhos com dedicação” e é apontada como responsável pela vida confortável da família. Não deixará, portanto, que nada estrague o status-quo construído com sabedoria, ainda que para isso seja necessário cometer um crime.

Já em “A Casa da Rosa Solitária”, se há crime, é o de estragar algo tão “sólido” como a família. Um casal de vida confortável e filhos criados vê suas vidas transformadas quando começa a frequentar a casa de um casal de vizinhos em frente, até o fatídico dia da briga, do acidente, da ruptura. O bom conto, lembremos, é aquele capaz de causar no seu leitor um efeito, e não necessariamente contar uma história com início, meio e fim, e aqui a hábil mão de Cleci para ocultar sem tornar o texto obscuro consegue fazer com que o leitor não saiba o que houve naquela casa, pois a única testemunha, solitária, é a rosa.

“Olho a planta que vimos crescer, tendo, como fundo, o casarão abandonado. Há apenas uma rosa, solitária, doentia, presa a um caule endurecido, nodoso como os dedos de um velho. Não creio que resista muito tempo. Talvez em novembro, um vento daqueles terríveis, sibilantes, a retire da terra que já cmeçou a expulsá-la. E levará para longe a testemunha silenciosa de tudo o que realmente aconteceu naquela noite.”

A ocultação também é a chave de “Incidente em Veneza”, que no melhor estilo do conto clássico esconde, entre uma história trivial de uma viajante em Veneza, a reticente história de um casal de namorados, de relação conflituosa e final não sabido. A narradora, aqui, é como o leitor tomado pela curiosidade, e compartilhará sua angústia ao ignorar o destino dos amantes.

Assim, com temas prosaicos do nosso cotidiano como a rosa ou o roseiral, as viagens ou os sonhos, os contos de Cleci revelam nas entrelinhas grandes conflitos familiares e intimistas, tão caros a uma literatura chamada de feminina, mas que bem poderíamos chamar de universal.

“Depois do rompimento, o desengano em relação aos homens e o amor. Enquanto os anos passavam, a natureza encarregou-se de me brindar com pelancas e rugas, que tento corrigir com cremes e pomadas. Só não há remédios para as cicatrizes do amor perdido.”

 

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