Prêmios, panelinhas, tapinhas nas costas e afins

por Marcelo Spalding

Final de ano é época de panetone, perus, chesters, reconciliações, três pedidos e… prêmios culturais. Só na literatura temos o Nobel, Jabuti, Portugal Telecom, Açorianos, Gauchão de Literatura, Prêmio AGES, e cada área tem sua coleção de prêmios. As polêmicas, queixas e discussões, porém, são sempre muito semelhantes.

Um episódio ocorrido no Prêmio Jabuti deste ano ajudou a escancarar essa desconfiança velada sobre os prêmios culturais, especialmente entre aqueles que jamais os ganham: o livro “Leite Derramado”  (Cia das Letras), de Chico Buarque, foi eleito o livro do ano, mas em sua categoria, romance, havia ficado em segundo lugar, atrás de "Se Eu Fechar os Olhos Agora" (Record), de Edney Silvestre (sim, aquele jornalista da Globo). Indignada, a Editora Record anunciou que não irá mais participar do prêmio, e uma petição online intitulada “Chico, devolve o Jabuti!” já coletou mais de 10 mil assinaturas.

O tema me interessa de forma particular porque este ano estive à frente do Prêmio AGES Livro do Ano, da Associação Gaúcha de Escritores, e passamos por grandes discussões internas sobre o melhor formato para o prêmio. Basicamente, há pelo menos dois formatos possíveis: um em que uma comissão julgadora lê todos os concorrentes e escolhe o melhor, e outro em que um grupo mais amplo (no nosso caso, todos os sócios da AGES) escolhe o melhor sem necessariamente ter lido todos os livros.

Para muitos, o segundo formato privilegia as panelinhas e os tapinhas nas costas, com privilégio a autores simpáticos e amigáveis, independente da qualidade do trabalho. Mais do que isso, esse tipo de formato dificulta o surgimento de novos autores e privilegia que cantores e jornalistas de televisão se destaquem em detrimento de escritores talentosos e dedicados, embora nada populares.

Por outro lado, sempre fico com um pé atrás quando a um grupo é dado o poder de julgar, pois participo de algumas comissões e vemos os mesmos vícios, ou as mesmas subjetividades. Certa vez compus uma comissão com outras pessoas e escolhemos um livro em detrimento a outro, de um famoso escritor. Dias depois, vi o outro jurado chamando este tal famoso escritor para um canto e dizendo ter trabalhado muito para que seu livro fosse o escolhido, mas sem sucesso. Fiquei vermelho, roxo, azul de raiva: foi exatamente o tal jurado quem insistiu na escolha do livro xis em detrimento do livro do famoso escritor.

Se tanto um formato como outro podem trazer injustiças, subjetividades e polêmicas, alguns podem pensar que o melhor é não haver então prêmios ou concursos culturais. Nada disso! Acontece que, no final das contas, os prêmios são ótimos para os poucos que vencem, frustrantes para os muitos que concorrem, mas fundamentais para a divulgação da arte, ainda mais no caso particular da literatura. Isso porque nossa mídia (não por acaso fanática por futebol) adora factóides, números, rankings, e dessa forma os concursos são os únicos capazes de render algumas linhas de jornal para os vencedores.

Um caso exemplar, nesse contexto, é o Gauchão de Literatura, prêmio com formato de disputas que recebeu um grande espaço de mídia, chegando a concorrer ao cobiçado Fato Literário, por promover a futebolização da crítica literária. Isso é ruim? Não necessariamente, até porque o Gauchão é um oásis de crítica literária num momento em que pouco se fala de livros, principalmente dos autores locais, e seu maior mérito é aquilo que qualquer prêmio tem como maior fraqueza: a subjetividade do avaliador (no caso chamado de juiz). No Gauchão, o avaliador tem nome, sobrenome e se expõe dando as notas e argumentando o porquê daquela nota. Uma ou outra polêmica surge, às vezes a subjetividade assim desnudada beira o constrangimento para juiz ou participantes, mas pelo menos está tudo ali, escancarado, nas palavras de quem escolheu, nos comentários dos autores, na repercussão dos leitores.

Enfim, sendo otimistas podemos dizer que prêmios não costumam escolher necessariamente os melhores, mas que os escolhidos costumam ser, sim, merecedores. Verdade que não basta escrever muito bem para ganhar prêmios, é preciso publicar por uma grande editora; e para publicar numa grande editora, é preciso escrever bem e ser conhecido; e para ser conhecido, é preciso ser bom marqueteiro e não apenas bom escritor. O Prêmio Nobel, maior de todos, a cada ano confirma isso. E não me surpreenderia se o primeiro brasileiro Nobel fosse, um dia, Paulo Coelho.

 

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