Entrevista com Jane Tutikian, patrona da Feira do Livro de POA

por Marcelo Spalding

Jane Tutikian, a patrona da Feira do Livro de Porto Alegre em 2011, é uma antiga parceira do Portal Artistas Gaúchos, estando na Rede de Sites desde o seu princípio. Na entrevista abaixo, ela revela todo seu carinho pela Feira e a surpresa que foi a escolha para o patronato.


foto de Liege Freitas

AG - Seu nome vinha aparecendo na lista dos patronáveis há alguns anos e você também já fora patrona de diversas feiras no interior do Estado. Dessa forma, não foi uma surpresa para as pessoas do meio literário a escolha de seu nome. De qualquer forma, como você recebe essa distinção?
Jane Tutikian - No fundo, foi surpresa para mim. Aconteceu, é verdade, na minha sexta indicação, mas sempre achei que haveria um telefonema na véspera do anúncio. Como não houve, fui ao tradicional café da manhã para abraçar o patrono. Quando o João Carneiro disse que este ano não teríamos patrono, nem assim caiu a ficha. Foi, portanto, uma surpresa, uma emoção e uma honra. O sentimento de honra é muito, muito forte. O patronato termina sendo o reconhecimento por toda a trajetória do escritor. No meu caso, são 30 anos de trabalho.

De qualquer forma, como você recebe essa distinção e como será a Feira da Jane Tutikian?
A Feira deste ano vai ter a minha cara, vai ser alegre, afetiva, de bons encontros entre as pessoas e de muita discussão sobre a formação do leitor.

Qual a importância da literatura na Feira do Livro? Que ações você acha que são realizadas e funcionam no sentido de promover a literatura e quais poderiam ser realizadas?
A importância de uma Feira do Livro é colocar em funcionamento e em evidência todo o sistema, o encontro das partes: autor-obra-leitor. Mas a Feira do Livro de Porto Alegre tem suas peculiaridades: faz parte da nossa identidade cultural, não pensamos em nossa cidade sem pensarmos também na Feira. É a maior feira a céu aberto das Américas, o que para nós, gaúchos, é motivo de orgulho, mas é, também, e quem me disse isso foi o Cheuíche, a maior feira popular do mundo, o que, no meu entender, significa: é a feira mais democrática do mundo e isso me fascina. Passam por lá gentes de todas as crenças, de todas as raças, de todas as classes, de todas as opções e ela acolhe todos, feira e gente se pertencem mutuamente, livros - e aqui se inclui a literatura - se acolhem mutuamente e essa é a importância da feira para a literatura. Ela vai para o lugar onde deve estar, não pertence a uma elite, mas ao povo. Neste ano, estima-se que 1.700 000 pessoas circularão pela Feira. Do ponto de vista cultural, todos os centros e espaços que, em seu entorno, abrigam os eventos da feira trabalham exatamente com a promoção da literatura e suas interfaces. O que mais pode ser feito? Não é a feira que tem que fazer. Digamos: ela faz mais do que faz. O que é necessário é a implantação de uma política de leitura.

A Feira da forma que conhecemos tem mais de 50 anos, mas a cada ano se fala mais em livro digital e e-readers. Para você, mais como estudiosa do que como escritora ou leitora, qual o futuro do livro impresso?
Marcelo, é sempre difícil de responder a esta pergunta quando tenho que responder para ti, que és o maior especialista e a maior autoridade no assunto livro digital, em nosso estado. De qualquer forma, tenho a te dizer: os jornais estão on line, mas ninguém pergunta e sequer tem a preocupação de perguntar se ele vai desaparecer. Entretanto, de tempos em tempos o livro tem sua morte decretada, antes mesmo da era digital. Cervantes já respondeu a esta pergunta! O livro digital tem o seu fascinio, sobretudo o livro infantil, que permite à criança interagir. Mas, diferentemente do livro em papel, a interação é sempre a mesma. Por outro lado, se o livro é caro para una determinada classe, o que dizer do tablet? Essas, entretanto, não são absolutamente as razões maiores. O livro impresso continuará vivo. Dividirá espaço com outros formatos, sim, mas continuará a cumprir seu destino de livro, seu cheiro de papel, suas margens para anotações pessoais. O homem levou séculos para chegar ao alfabeto e à escrita, milênio para chegar ao livro impresso. Cada livro é, por si, um patrimônio cultural da humanidade.

Você é uma autora de literatura em geral, mas muitas vezes classificada como autora de literatura juvenil. Como você vê essa distinção entre os gêneros literários a partir da idade dos seus leitores?
Este rótulo de literatura infantil-juvenil é relativamente recente. Começa a existir, na nossa literatura, na década de 80, quando as editoras, a partir da Ática e da Antiga Atual , hoje Saraiva, começam a investir nesta faixa que, até então, ficava entre a literatura feita para adultos e a literatura infantil. Entrei nesta literatura no início, “A Cor do Azul” está entre os pioneiros, digamos assim, e foi uma descoberta linda poder falar sobre adolescentes para adolescentes, esses indivíduos sensíveis, espontâneos, problemáticos, que não sabem o que fazer do corpo, da voz e do mundo que se transformam todas as manhãs.  Saio uma vez por semana para conversar com eles, dentro e fora de Porto Alegre, discuto seus problemas e suas maneira de ser, discuto com eles meu texto e meus personagens. isso tudo é muito prazeroso. E o mais legal de tudo é que não facilito para eles, não faço qualquer concessão em relação a estilo ou qualidade.

Muito se fala na mídia da Feira do Livro de Porto Alegre, mas como você avalia o circuito de Feiras do Livro do Rio Grande do Sul? De dez, quinze anos para cá tem aumentado, mudado?
O número de feiras tem aumentado muito, sim! Mas o que tenho percebido - com exceções, é claro -  que  os eventos culturais têm mostrado mais qualidade do que antes, até porque, quando os escritores têm contato com os alunos, e eles, via de regra, já leram seus textos, o que torna o encontro mais proveitoso pra todos: escritores e leitores. Entretanto, se a gente observar os livros expostos, não se pode dizer a mesma coisa, as feiras estão tomadas, por exemplo, de livros esotéricos e de autoajuda. Entendo que deve , sempre, haver uma distribuição pelo menos equänime entre os livros.

Além desse modelo de Feiras, há outros modelos de eventos literários pelo interior. Há algum que tenha chamado sua atenção?
Sempre a Jornada de Passo Fundo. É uma experiência feliz em todos os sentidos.

Um livro.
Dois : Água Viva, Clarice Lispector
O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago

Um artista gaúcho.
Um escritor: Moacyr Scliar

Um pratrono da Feira de Porto Alegre.
O primeiro, Alcides Maya, com quem tudo começou.

 

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