Olhos de morcego para enxergar além

por Marcelo Spalding

Um prêmio há de mudar a vida de um escritor. Deixá-lo mais confiante, no mínimo. Agora imagine quatro prêmios, sendo um deles o Jabuti. Pois foi com essa expectativa que abri “Olhos de morcego”, mais recente livro de contos de Leonardo Brasiliense.

O autor, gaúcho de São Gabriel, médico e recém na terceira década de vida, publicou seu primeiro livro em 1999, “O desejo da Psicanálise”, e só alcançou merecido reconhecimento com “Adeus contos de fadas”, lançado em 2006 pela 7 Letras. Reunindo minicontos juvenis, a obra foi vencedora dos prêmios Jabuti, Açorianos, AGES e O Sul na categoria infanto-juvenil.

Agora, pela mesma editora, volta ao conto, seu gênero preferido. Mas volta transformado, mais seguro de sua técnica, simplificando as temáticas, os motivos, potencializando o subtexto de forma a nocautear mesmo o leitor depois da última cena, da última frase. Sem alguns desatinos das prosas anteriores, desatinos que faziam parte da opção estética do autor, Leonardo consegue prender a atenção a partir do enredo e seu desenrolar, provocando tensão e suscitando o tão desejado efeito no leitor.

“Fim dos tempos”, por exemplo, conto que abre o volume, se passa numa prosaica delegacia de polícia onde alguns populares insistem em linchar certo acusado de violentar e matar crianças, sempre sob a mira de ávidas câmeras de televisão. História aparentemente simples, esconde, entretanto, o conflito de uma frágil e idosa senhora que faz de tudo para que sua filha seja atendida, sendo o destino dessa menina o grande fechamento do texto, e não o desfecho da história aparente que motivou seu começo.

“A neta estuprada”, afora o título sensacionalista à Trevisan, é outro texto que esconde na sua estrutura profunda, e não na narrativa aparente, o conflito principal. Neste caso, enquanto se narra a história de uma senhora em busca do homem que violentou sua neta percebe-se todo o abandono e a solidão do ser-humano, solidão essa capaz, inclusive, de justificar atitudes grotescas como a violência cometida contra a menina.

De modo geral, enfim, parece evidente que os prêmios fizeram bem ao texto de Leonardo, e não apenas a sua carreira. Aos poucos o autor vai simplificando seu texto sem tornar-se superficial, lembrando nesse sentido sua conterrânea Cíntia Moscovich, e talvez a profunda e bem-sucedida incursão que fez pelo miniconto possa explicar esse salto na sua contística: adquiriu olhos de morcego, que enxerga no escuro, mas enxerga além.

 

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